Caro professor, “500 – Os bebês roubados pela ditadura argentina”, dirigido por Alexandre Valenti e lançado em 2014, aborda a ditadura civil-militar argentina instaurada com o golpe de 1976 e suas práticas repressivas, especialmente o sequestro de crianças e a ocultação de suas identidades. Ainda, o documentário recupera a atuação das “Avós da Praça de Maio”, que buscam seus netos e procuram restituir-lhes a identidade apropriada, e o apoio recebido do grupo Clamor, organização de direitos humanos brasileira.
A ditadura argentina instaurada com o golpe de 1976 foi um regime que utilizou o terrorismo de Estado como forma de dominação política, e, com isso, foi capaz de implementar novas formas de organização econômica e política na sociedade.
No âmbito repressivo, a ditadura argentina valeu-se da experiência das ditaduras implementadas nos anos anteriores na região (Brasil, 1964; Uruguai, 1973, Chile, 1973), reproduzindo as estratégias de sequestro, tortura, morte e desaparecimento. Contudo, em nenhum outro país a prática do desaparecimento foi tão extensiva como na Argentina. Embora tenha ocorrido também em outros países, a experiência repressiva argentina também ficou conhecida pelos chamados “voos da morte” e pelo sequestro e apropriação de identidade de crianças.
Crianças recém-nascidas ou muito pequenas foram retiradas do convívio de seus familiares e criadas com outras identidades por famílias de pessoas que tinham alguma vinculação com a repressão, ou então, eram abandonadas por pessoas que desconheciam sua origem.
Também ficaram conhecidos internacionalmente os agrupamentos “Mães da Praça de Maio” e “Avós da Praça de Maio”, que passaram a se reunir e se mobilizar para encontrar seus filhos e netos desaparecidos. Ainda hoje, essas mulheres são um exemplo de luta pelos direitos humanos.
O documentário destaca o apoio que as “Avós da Praça de Maio” receberam de organizações como o grupo Clamor, fundado no Brasil para apoiar militantes perseguidos politicamente em seus países de origem e que necessitavam exilar-se para investigar o paradeiro de pessoas desaparecidas, ou, ainda, para denunciar os crimes cometidos pelas ditaduras.
Propomos a você, professor, a sugestão de duas atividades para explorar as temáticas abordadas no documentário. Orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), essas atividades coadunam-se com as seguintes competências:
Competência geral
- Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
- Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
- Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Competências específicas – “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas”
- Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.
- Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
- Participar do debate público de forma crítica, respeitando diferentes posições e fazendo escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
Competências específicas – “Ciências da Natureza e suas Tecnologias”
- Investigar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).
As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.
Atividade 1
Habilidade – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
Habilidade – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
(EM13CHS503) Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.
Descrição da atividade
Esta atividade tem como objetivo, a partir do documentário 500 – Os bebês roubados pela ditadura argentina, realizar um comparativo entre a ditadura argentina e a ditadura brasileira. Primeiramente, recomendamos a você, professor, aprofundar seus conhecimentos na temática a partir da leitura dos seguintes materiais:
BARBOZA DE FRAGA, Guilherme. O drama dos exilados políticos em São Paulo eo surgimento do grupo Clamor. In: IV Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur en el siglo XX (Bahía Blanca, 7 al 9 de noviembre de 2018). 2018. Disponível em: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/112460 Acesso em: 1 maio 2022.
SALIGNAC, Luana Gonçalves. Justiça de transição: as “Avós da Praça de Maio” como instrumentos do direito à identidade e à verdade histórica argentina. Revista Transgressões, v. 5, n. 2, p. 53-68, 2017. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/transgressoes/article/view/13011 Acesso em: 1 maio. 2022.
WASSMANDORF, Marina Lis. Tempos de restituição: o passado traumático no caso das crianças desaparecidas pela ditadura militar argentina. IV Seminário Internacional História do Tempo Presente, Anais Eletrônicos, 2021, p. 1-11. Disponível em: http://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/IVSIHTP/paper/view/997 Acesso em: 23 abr. 2022.
A atividade consistirá em desenvolver uma pesquisa histórica, preenchendo um quadro comparativo entre a ditadura argentina e a ditadura brasileira. Apresente aos alunos o quadro, que deverá contar com as linhas “Argentina” e “Brasil” e com as colunas “Duração da ditadura”, “Sequestro de Crianças”, “Futebol”, “Guerra” e “Organizações de Direitos Humanos”.
Esse quadro poderá ser copiado pelos alunos em seus cadernos ou então distribuído impresso por você, professor. Depois, vocês deverão assistir juntos ao filme. Peça para os alunos identificarem no documentário os temas presentes nas colunas do quadro.
- O que o documentário fala sobre o sequestro de crianças?
- Sobre o papel que o futebol e a Copa de Mundo de 1978 representou para a ditadura argentina? E quanto à Guerra das Malvinas? E, por fim, quanto às organizações de direitos humanos?
- O que foram as Mães e as Avós da Praça de Maio?
A partir das informações recolhidas sobre a ditadura argentina – aquelas disponíveis no documentário – os alunos deverão realizar uma pesquisa em livros ou em páginas web indicadas por você, professor. O objetivo é recolher mais informações sobre essas temáticas da ditadura argentina e, também, sobre a ditadura brasileira.
Os alunos deverão apontar se houve o sequestro de crianças na ditadura brasileira; como o futebol, principalmente a Copa do Mundo de 1970, foi vivenciada pela sociedade brasileira e instrumentalizada pela ditadura; se houve alguma guerra durante a ditadura civil-militar no Brasil etc. Após a realização do trabalho de pesquisa, sugerimos que a turma realize um debate sobre seus “achados”.
Explore o caso de crianças brasileiras sequestradas por militares, e problematize com a turma porque há um silenciamento a esse respeito. Pergunte aos alunos se eles acreditam que existe uma relação entre o futebol e a política nos dias de hoje.
Se os alunos não identificarem a “Guerrilha do Araguaia” como um episódio de guerra, fale como os moradores da região do “Bico do Papagaio” se recordam do acontecimento. E, por fim, observe se os alunos identificaram organizações de direitos humanos atuantes no Brasil, ou se conseguiram maiores detalhes sobre o funcionamento do Clamor. Chame a atenção para o fato de o Clamor ser mais conhecido no exterior do que no Brasil.
Atividade 2
Habilidade – Ciências Humanas e Sociais
(EM13CHS605) Analisar os princípios da declaração dos Direitos Humanos, recorrendo às noções de justiça, igualdade e fraternidade, identificar os progressos e entraves à concretização desses direitos nas diversas sociedades contemporâneas e promover ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência, respeitando a identidade de cada grupo e de cada indivíduo.
Habilidade - Ciências da Natureza e suas Tecnologias
(EM13CNT304) Analisar e debater situações controversas sobre a aplicação de conhecimentos da área de Ciências da Natureza (tais como tecnologias do DNA, tratamentos com células-tronco, neurotecnologias, produção de tecnologias de defesa, estratégias de controle de pragas, entre outros), com base em argumentos consistentes, legais, éticos e responsáveis, distinguindo diferentes pontos de vista.
Descrição da atividade
Professor, recomendamos que esta atividade seja desenvolvida de forma interdisciplinar, envolvendo as disciplinas de história e biologia. O objetivo é trabalhar com as dimensões históricas e científicas dos processos de restituição das identidades das crianças sequestradas durante a ditadura argentina.
Para tanto, o professor de história se responsabilizará pela contextualização da ditadura argentina, da prática de sequestro de bebês e da luta das Avós da Praça de Maio na localização e na restituição da identidade de seus netos, e o professor de biologia trabalhará com as inovações tecnológicas e com a genética, explicando os procedimentos necessários para verificação da compatibilidade genética entre avós e netos.
Primeiramente, sugerimos a você, professor, realizar uma leitura sobre o ensino de temas sensíveis em sala de aula, porque é necessária uma abordagem ética da temática, e, ao mesmo tempo, que não torne a violência uma curiosidade ou uma espetacularização. O texto recomendado é o seguinte:
MESQUITA, Ilka Miglio de, GIL, Carmem Zeli de Vargas. Ensino de história com questões sensíveis. Pensar a Educação em Revista, Florianópolis/Belo Horizonte, ano 6, v. 6, n. 2, jun.-ago. 2020. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/216334/001119218.pdf?sequence=1 Acesso em: 24 abr. 2022.
Depois, para aprofundar seus conhecimentos sobre a prática de sequestro de crianças e apropriação de identidades, recomendamos a seguinte leitura:
FERNANDES, Ananda Simões. “Esta guerra no es contra los niños”: o sequestro de crianças durante as ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul. In: PADRÓS, Enrique Serra et al. (orgs.). Memória, verdade e justiça: as marcas das ditaduras do Cone Sul. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2011. p. 47-64. Disponível em: https://marxists.architexturez.net/portugues/tematica/livros/diversos/marcas.pdf#page=47 Acesso em: 23 abr. 2022.
Para saber mais sobre o trabalho das Avós da Praça de Maio na restituição das identidades, o seguinte texto é bastante importante:
QUADRAT, Samantha Viz. O direito à identidade: a restituição de crianças apropriadas nos porões das ditaduras militares do Cone Sul. História (São Paulo). 2033, v. 22. n. 2, p. 167-181. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-90742003000200010 Acesso em: 23. abr. 2022.
Por fim, recomendamos os dois textos abaixo sobre os bancos de dados genéticos e os exames de DNA na resolução dos casos das crianças sequestradas na Argentina:
SANJURJO, Liliana Lopes. Sangue, identidade e verdade histórica: crianças desaparecidas e memórias sobre o passado ditatorial na Argentina. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 15, n. 2, p. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fcs/article/view/22410 Acesso em: 1 maio 2022.
SANJURJO, Liliana Lopes. La Sangre no Miente: Memória, identidade e verdade na Argentina pós-ditatorial. Revista de Antropologia da UFSCar, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 200–224, 2013. Disponível em: https://www.rau2.ufscar.br/index.php/rau/article/view/107. Acesso em: 1 maio. 2022.
Após a realização das leituras como uma parte de sua formação, recomendamos a você, professor, exibir o documentário “500 – Os bebês roubados pela ditadura argentina” para a turma, explicitando o interesse em explorar as dimensões históricas e científicas relacionadas ao sequestro das crianças e as possibilidades de utilização de exames de DNA para a comprovação dos crimes de apropriação de identidade.
Depois da exibição, pergunte aos alunos se eles já tinham ouvido falar do sequestro de bebês na ditadura argentina, e se eles sabiam que um dos procedimentos para a resolução desses crimes é através dos exames de DNA. Explique aos alunos o que foi a ditadura, quais seus objetivos em relação as crianças, e, juntamente com o colega da biologia, falem sobre a carga genética e os exames de DNA.
Debatam sobre os usos que a turma já ouviu a respeito desses exames, tais como para comprovação de paternidade, para conhecer mais sobre determinados vírus, para estudar os seres humanos etc.
Por fim, realizem uma pesquisa em trios na página dos “Casos Resolvidos” das Avós (https://www.abuelas.org.ar/caso/buscar?tipo=3). Cada trio deve escolher um caso e narrar para a turma como se deu o sequestro daquela criança e como o caso foi resolvido, se contou com a tecnologia relacionada à genética ou não etc.