Plano de Aula

MITOS EM TRÂNSITO

Mitos em Trânsito
27/06/2022
Ensino Médio
Ciências Humanas, História
Caroline Silveira Bauer
Acesse a ficha do filme



Caro professor, apresentamos a você a série “Retornados” (2017), dirigida por Maria Pereira e Simplício Neto. Em oito episódios, conta a história de africanos e afro-brasileiros que, após serem levados para o Brasil como escravizados, retornaram à África, formando comunidades e grupos culturais conhecidos como “agudás”.


A série apresenta depoimentos de descendentes de agudás que vivem no Brasil e em Benin, Gana, Nigéria e Togo, explorando a interrelação histórica entre África e Brasil desde o século XVI, com foco nas dinâmicas do colonialismo, do escravismo e do imperialismo.


No episódio 3, “Mitos em trânsito”, é apresentado a você, professor, as circulações das religiões no mundo atlântico e o sincretismo a partir da triangulação África, América e Europa; como os agudás vivenciaram esse processo e de que forma essas práticas religiosas são percebidas hoje por afro-brasileiros retornados e por sua ramificação familiar no Brasil.


Podemos observar no episódio inúmeros registros de manifestações religiosas, em África e no Brasil, que explicitam a interrelação cultural característica do mundo atlântico. Por exemplo, uma das primeiras imagens mostradas é a Igreja do Rosário dos Pretos, em Salvador, Bahia, durante uma missa católica. Embora vinculada ao cristianismo, o rito é embalado por cantos e instrumentos que vieram para o território do Brasil com os africanos escravizados.


Esse mesmo sincretismo é observado aos domingos, na Praça Central de Uidá, no Benim. Aos domingos, muitas pessoas vão à missa na Basílica e, depois, atravessam a praça e se dirigem ao Templo das Pítons, para participar de rituais do vodum.


Vejamos algumas dimensões históricas dessas “misturas”. Quando os colonizadores portugueses se estabeleceram na América, impuseram o cristianismo aos povos indígenas e, depois, aos africanos escravizados, como única prática religiosa possível. Para muitos pesquisadores, isso teria significado uma destruição dos cultos, das crenças e dos ritos africanos e indígenas, e um processo de aculturação ou de perda da identidade a partir da assimilação da religião cristã.


Hoje em dia, novas interpretações acerca desse fenômeno afirmam que africanos e indígenas se valeram de “adaptações” da fé do colonizador para manterem suas práticas religiosas, que também eram feitas de forma clandestina. Exemplificando, a conversão dos africanos escravizados ao cristianismo poderia lhes conferir algumas vantagens na situação extremamente difícil que se encontravam.


Eles poderiam ser apadrinhados ou arranjar padrinhos para seus filhos através do batismo, tornando-se mais próximos de seus senhores; poderiam, através do casamento, se estabelecer em algum lugar, formar família, e tornar mais complicado os processos de comércio interno de escravizados, entre outras formas de resistência. Assim, ao se apropriarem da religião cristã, os africanos escravizados formaram uma nova religiosidade, sincrética, que lhes permitiu seguir cultuando divindades ou realizando rituais africanos. Foi uma forma criativa de encontrar correspondência e seguir cultuando suas crenças e a de seus senhores.


E o que acontecia na África? Como os objetivos dos colonizadores portugueses para a África e para a América eram distintos, no continente africano a “conversão” ao cristianismo ocorria no embarque dos escravizados nos navios negreiros. Ocasionalmente, esse processo poderia ocorrer no desembarque, nos portos brasileiros.


No embarque nos portos africanos, os escravizados recebiam o sacramento do batismo e um “nome cristão”, com o qual passariam a ser identificados, oficialmente, para a estrutura burocrática colonial.


Com os agudás, esse processo de circulação de religiosidades tomou outras proporções. Muitos retornados eram cristãos, outros islamitas, e, no retorno à África, passaram a praticar não um cristianismo ou islamismo “puros”, mas diretamente influenciados pela experiência dessas pessoas no Brasil, com influências culturais e religiosas diversas. É a partir do movimento de “retorno” que alguns pesquisadores explicam a entrada do islamismo na Nigéria: teria sido um ingresso pelo litoral, com os retornados do Brasil, sobretudo após 1835, com a Revolta dos Malês.


E com a prática religiosa dos agudás também temos situações curiosas, que contrariariam o senso comum a respeito das práticas religiosas na África e na América. Vejamos o caso da família Da Rocha, entrevistada no episódio. Enquanto Beatriz, no Brasil, é uma praticante do candomblé, sua família na Nigéria, representada por Angélica, são todos cristãos.


O episódio também aborda questões importantes para o debate sobre a tolerância religiosa. Ahmed D’Almeida demonstra contrariedade, em sua entrevista, em relação à palavra “animismo” para se referir a práticas das religiões africanas, por ser um termo etnocêntrico e que expressa uma hierarquização cultural, com uma conotação de “primitivismo” ou “inferioridade”.


No Brasil, os entrevistados também falam da intolerância com as religiões de matriz africana, comumente associadas com coisas perniciosas. Por isso, muitos praticantes do candomblé, da umbanda, do vodum, entre outros, afirmam que sua religião é um ato de resistência frente aos impedimentos do passado e aos preconceitos do presente.


Propomos a você, professor, duas atividades para explorar as temáticas trazidas no episódio, direcionadas ao Ensino Médio, em função dos temas abordados e de algumas imagens, que possuem sacrifícios ritualísticos de animais. Estas atividades estão orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e coadunam-se com as seguintes competências:


Competências gerais


Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.


Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.


Competências específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Ensino Médio


Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.


Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.


No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacamos os seguintes princípios que guiam a elaboração destas atividades:


1. consciência política e histórica da diversidade;


2. fortalecimento de identidades e de direitos;


3. combate ao racismo e a discriminações;


4. e às determinações para a História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, e em articulação com a história dos afrodescendentes no Brasil.


As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.


Atividade 1 – Ensino Médio


(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros).


(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.


Descrição da Atividade 1


Esta atividade tem como objetivo possibilitar aos alunos uma maior compreensão sobre a morte e os rituais mortuários em diferentes culturas. Sugerimos que a atividade seja iniciada com a exibição do episódio, solicitando que os alunos prestem atenção ao que as pessoas falam sobre a morte e quais são os rituais mortuários registrados pelo documentário.


Pergunte aos alunos por que as pessoas não estavam chorando nos funerais. Será que significa que elas não gostavam da pessoa que morreu? A seguir, você, professor, deverá explicar para os alunos como são os rituais da Festa da Irmandade da Boa Morte, Cachoeira, no Brasil, e do vodum, no Benim, a respeito da morte, e quais os significados da vida após a morte. Com relação ao Benim, você pode destacar elementos citados no episódio: quando as pessoas morrem, se transforam em ancestrais, iniciando um novo tipo de relacionamento.


Por isso são feitas oferendas de alimentos e bebidas, para garantir proteção. No cristianismo, acende-se uma vela, realiza-se uma oração, ou flores são deixadas nos túmulos. No budismo, os corpos são incinerados. A partir dessa explicação, debata com os alunos quais são as crenças de suas religiões sobre a morte e a vida após a morte. Sugira que cada aluno monte, em seu caderno, um quadro comparativo a partir das informações presentes no episódio e que os colegas trouxerem sobre suas práticas religiosas.


Ao final, ressalte a diversidade cultural e religiosa, além das múltiplas relações que as sociedades estabeleceram com a morte, e demonstre que as diferenças existentes não implicam um julgamento ou uma hierarquização entre as religiões, mas demonstram a riqueza cultural que a humanidade possui.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) BAPTISTA, Caroline Bernardoni Cavalcanti. A morte brasileira em diferentes épocas: Uma análise antropológica dos rituais funerários e da “morte digna”. Dignidade Re-Vista, [S.l.], v. 2, n. 4, p. 12, dez. 2017. Disponível em: http://periodicos.puc-rio.br/index.php/dignidaderevista/article/view/442. Acesso em: 18 maio. 2022.


2) REZENDE, Leandro Gonçalves. A religião vodum e seus indeléveis laços atlânticos. Topoi (Rio de Janeiro), v. 21, n. 43, p. 276-281, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/fryw7FYDtrykyJ4dpZXDPCp/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 18 maio. 2022.


3) CASTRO, Armando Alexandre. Irmandade da Boa Morte: Memória, intervenção e turistização da festa em Cachoeira (BA). Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, v. 1, 2005. P. 1-17. Disponível em: http://www.cult.ufba.br/enecul2005/ArmandoAlexandreCastro.pdf. Acesso em: 18 maio. 2022.


Atividade 2 – Ensino Médio


(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.


(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.


Descrição da Atividade 2


Esta atividade tem como objetivo a promoção da tolerância religiosa. Este é um tema fundamental no Brasil, em que a intolerância e o preconceito em relação às religiões de matriz africana têm crescido muito nos últimos anos. Partindo do pressuposto que uma das melhores formas de combater a intolerância e o preconceito é através do conhecimento, propomos uma atividade para os alunos conhecerem mais o candomblé, a umbanda e o vodum.


Sugerimos que você, professor, inicie a atividade exibindo o documentário para a turma. Após a exibição, pergunte a eles o que eles consideram “errado” ou “estranho” e por quê. A partir das informações trazidas pelos alunos, procure estabelecer com a turma o que é um julgamento moral, o que é um preconceito e o que é o desconhecimento sobre as religiões de matriz africana. Depois do debate, divida a turma em três grupos e solicite aos alunos que realizem uma pesquisa utilizando a biblioteca da escola, o livro didático ou recursos na internet, para confeccionar três cartazes sobre as seguintes religiões: o candomblé, a umbanda e o vodum.


Os alunos devem buscar informações sobre a história da religião, as principais datas e os rituais mais significativos. Depois de elaborarem os cartazes, recomendamos que realize uma sessão de exibição do documentário para os familiares das crianças, seguido de uma apresentação dos cartazes. Debatam sobre os resultados das pesquisas, e estimule um posicionamento de respeito em relação às práticas religiosas.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) NORIEGA PIRES, Marcelo. Ensino de História das Religiões no combate à intolerância religiosa: educação histórica e multiculturalismo na formação da cidadania. Faces de Clio, [S. l.], v. 5, n. 9, p. 162–184, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/facesdeclio/article/view/27223. Acesso em: 18 maio. 2022.


2) RIBEIRO, Natália; MOTA, Thiago Henrique. A religiosidade que veio de África: construções, conceitos e resistências-Entrevista com o Prof. Dr. Luís Nicolau Parés (Universidade Federal da Bahia, Brasil). Temporalidades, v. 8, n. 3, p. 529-538, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/issue/view/302. Acesso em: 18 maio. 2022.


3) PEREIRA, Júnia Sales, MIRANDA, Sonia Regina. Laicização e Intolerância Religiosa: desafios para a História ensinada. Educação & Realidade. 2017, v. 42, n. 1, p. 99-120. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-623661108. Acesso: 18 maio. 2022.



EF08GE05 - Aplicar os conceitos de Estado, nação, território, governo e país para o entendimento de conflitos e tensões na contemporaneidade, com destaque para as situações geopolíticas na América e na África e suas múltiplas regionalizações a partir do pós-guerra.
EF08GE06 - Analisar a atuação das organizações mundiais nos processos de integração cultural e econômica nos contextos americano e africano, reconhecendo, em seus lugares de vivência, marcas desses processos.
EF08GE19 - Interpretar cartogramas, mapas esquemáticos (croquis) e anamorfoses geográficas com informações geográficas acerca da África e América.
EF08GE20 - Analisar características de países e grupos de países da América e da África no que se refere aos aspectos populacionais, urbanos, políticos e econômicos, e discutir as desigualdades sociais e econômicas e as pressões sobre a natureza e suas riquezas (sua apropriação e valoração na produção e circulação), o que resulta na espoliação desses povos.
EM13CHS102 - Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
EM13CHS103 - Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros).
EM13CHS104 - Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
EM13CHS201 - Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
EM13CHS202 - Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.
EM13CHS203 - Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas (civilização/barbárie, nomadismo/sedentarismo, esclarecimento/obscurantismo, cidade/campo, entre outras).
EM13CHS204 - Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
EM13CHS502 - Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.




Utilizou este filme em suas aulas?
Relate sua experiência!

Relatos de Professores (0)