Plano de Aula

MUNDOS DE PANO E PEDRA

Mundos de Pano e Pedra | Documentário | De Maria Pereira,Simplício Neto | 2017 | 30 min | RJ
08/07/2022
Ensino Médio
Ciências Humanas, História, Arte
Caroline Silveira Bauer
Acesse a ficha do filme



Caro professor, apresentamos a você a série “Retornados” (2017), dirigida por Maria Pereira e Simplício Neto. Em oito episódios, conta a história de africanos e afro-brasileiros que, após serem levados para o Brasil como escravizados, retornaram à África, formando comunidades e grupos culturais conhecidos como “agudás”. A série apresenta depoimentos de descendentes de agudás que vivem no Brasil e em Benin, Gana, Nigéria e Togo, explorando a interrelação histórica entre África e Brasil desde o século XVI, com foco nas dinâmicas do colonialismo, do escravismo e do imperialismo.


No episódio 5, “Mundos de pano e pedra”, é apresentado a você, professor, outra dimensão da História dos agudás: seus ofícios aprendidos no Brasil e os negócios que construíram na África, especialmente nos ramos da alfaiataria e da arquitetura.


Para compreendermos esse fenômeno, é necessário aprofundarmos um pouco mais nosso conhecimento em relação à escravidão. Diferentemente do que muitos pensam, os africanos escravizados não trabalhavam unicamente nas lavouras, havia aqueles, chamados “escravos urbanos” ou ainda “escravos de ganho”, que atuavam na prestação de serviços nas cidades. Esses africanos e afro-brasileiros desempenhavam as atividades de alfaiates, carpinteiros, doceiros, escavadores de poços de água potável, ferreiros, mestre-de-obras, músicos, ourives, padeiros, pedreiros, entre outros tantos ofícios. Com essas atividades, podiam, ao longo do tempo, acumular valores e comprarem suas liberdades ou, então, colaborar financeiramente com instituições e sociedades para a compra da alforria de outros escravizados.


Ao se tornarem livres, algumas dessas pessoas decidiram voltar à África, em um retorno que envolvia muitas questões. Como exemplificado no episódio, imaginem ter chegado no Brasil aos 12 anos de idade, ser escravizado por 15 anos, e resolver voltar para a África, onde não se tinha amigos, família, nada, apenas uma comunidade de origem, que poderia nem mais existir. Esse fato faz com que devamos reconhecer a coragem e a iniciativa dos agudás.


Retornados, esses “brasileiros” investiram em atividades comerciais que remetessem aos ofícios, aos saberes ou às profissões que haviam aprendido em sua experiência no Brasil. Eram muito respeitados pela perícia e qualidade de seus trabalhos. Foi o caso dos brasileiros que se instalaram em Gana, em um território que ficou conhecido como “Brasil Lane”, dando início a uma comunidade brasileira que seria chamada de “tabom”.


A nomenclatura “tabom” é explicada, de acordo com a tradição oral, devido aos problemas de comunicação entre os retornados e os habitantes da região. Quando não eram compreendidos, tornavam-se impacientes, irritados, e respondiam “tá bom, tá bom”.


Os “tabom” foram os responsáveis pela abertura da primeira alfaiataria em Gana, a Scissors House, em 1854, assim como por popularizar a costura moderna, em escala industrial. Foram os responsáveis por difundir certos hábitos de vestir europeus, que foram assimilados rapidamente pelas cortes e elites locais. A costura é um saber transmitido geracionalmente, e, hoje em dia, muitos tabom ainda vivem desse ramo, como no ateliê de Dan Morton.


O reconhecimento da perícia e qualidade do trabalho dos africanos, escravizados ou livres, não ocorria somente na África, com seu retorno. Tomemos, por exemplo, a cidade de Salvador, na Bahia, e pensemos as construções coloniais. Todas elas foram feitas com a mão-de-obra de trabalhadores africanos, muitos deles em trabalhos especializados.


Em Gana, além da alfaiataria, os tabom também introduziram a arquitetura de pedra na cidade de Acra. Porém, a inovação não se restringiu à prática de construção, mas também no estilo. As “casas brasileiras” serviram de referência para a arquitetura urbana moderna de Gana, e diversas elites (econômicas, políticas e sociais), escolhiam construir suas residências no estilo arquitetônico “brasileiro”. Essa escolha passou a definir o status de elite na crescente hierarquia racial imposta pela dominação colonial britânica no território ganês.


Essa “arquitetura brasileira”, assim como demais aspectos da cultura, é, em realidade, uma simbiose de referências provenientes de diferentes origens. Da Europa, esse estilo arquitetônico deriva das formas barrocas, neoclássicas e rococós. Poucas dessas construções foram preservadas. A Brazil House, que hoje é um espaço de memória da comunidade tabom, foi construída onde estava a primeira construção de pedra da região.


A arquitetura “brasileira” não influenciou somente os africanos, mas também os colonos europeus instalados na África. Em Porto Novo, Benim, as casas do começo da colonização francesa foram inspiradas por esse modelo. Assim como a Grande Mesquita, que, embora um templo para culto da religião islâmica, foi feita a partir da cópia de uma igreja de Salvador, na Bahia. 


Assim, como em Gana, na Nigéria, os “brasileiros” também têm seu reduto, o “Brazilian Quarter”. O episódio mostra imagens de várias casas, que são conhecidas pelo sobrenome de seus antigos proprietários: Cardoso, Martins, Muniz, Oliveira, Pedro, Souza Marques, Valdez... 


Uma dessas casas é chamada “Casa da Água” que se tornou notável por ter em seu pátio um poço artesiano, que captava água de um lençol freático. Foi construída como réplica da casa que João Essan da Rocha, um retornado, morava no Brasil. 


Um dos desafios colocados a essas sociedades é a conservação e a preservação desses patrimônios, tanto os imateriais (como as artes da costura), quando os materiais (as edificações). O episódio mostra a pressão sobre as famílias proprietárias para a venda e demolição dessas casas, inclusive a destruição de uma delas, um mês após a filmagem da série, no dia 11 de setembro de 2016.


Propomos a você, professor, duas atividades para explorar as temáticas trazidas no episódio, uma direcionada para o Ensino Fundamental e outra para o Ensino Médio. Estas atividades estão orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e coadunam-se com as seguintes competências:


Competências gerais


Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.


Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.


Competências específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Ensino Fundamental


Analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico-científico-informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo.


Comparar eventos ocorridos simultaneamente no mesmo espaço e em espaços variados, e eventos ocorridos em tempos diferentes no mesmo espaço e em espaços variados.


Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal relacionado a localização, distância, direção, duração, simultaneidade, sucessão, ritmo e conexão.


Ensino Médio


Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.


Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.


No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacamos os seguintes princípios que guiam a elaboração destas atividades:


a) consciência política e histórica da diversidade;


b) fortalecimento de identidades e de direitos;


c) combate ao racismo e a discriminações;


d) e às determinações para a História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, e em articulação com a história dos afrodescendentes no Brasil.


As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.


Atividade 1 – Ensino Fundamental


(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.


(EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos, classes sociais e sociedades com culturas distintas diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços (urbanos e rurais) e contextos.


Descrição da Atividade 1


Esta atividade tem como objetivo aprofundar o conhecimento dos alunos sobre a escravidão no Brasil, demonstrando a diversidade de ocupações que os africanos escravizados assumiram durante os períodos colonial e imperial. Em um segundo momento, os alunos serão instigados sobre o mundo do trabalho e os chamados “ofícios em extinção”. Primeiramente, sugerimos que você elabore uma aula expositivo-dialogada, explicitando as diferenças entre os escravizados que desempenhavam atividades rurais e os que trabalhavam em contextos urbanos.


Explique, também, os modos de arrecadar recursos, mesmo sob o regime escravista. Fale para os alunos que os africanos escravizados possuíam muitas qualidades no desempenho de suas funções, qualidades que foram reconhecidas no Brasil e na África, em relação aos que retornaram.


Após essa aula, sugerimos a exibição do documentário. Converse com os alunos sobre a transmissão geracional de práticas e saberes que caracterizam alguns ofícios e profissões. Depois, solicite a eles que elaborem uma atividade de pesquisa sobre os “ofícios em extinção”.


Cada aluno deve trazer pelo menos três exemplos de profissões em extinção e explicar o porquê de seu desaparecimento. Em um terceiro momento, debatam em sala de aula sobre os resultados encontrados na pesquisa dos alunos. Ao que eles atribuem as mudanças no mundo do trabalho? Essa é uma atividade que permite aos discentes reconhecerem a historicidade do mundo do trabalho, além de suas transformações ao longo do tempo e do espaço.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) MEIRA Amos, Alcion, AYESU, Ebenezer. SOU BRASILEIRO: História dos Tabom, Afro-Brasileiros em Acra, Gana. Afro-Ásia, núm. 33, 2005, p. 35-65. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/770/77003302.pdf. Acesso em: 20 maio. 2022.


2) COSTA E SILVA, Alberto da. O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX. Estudos Avançados [online]. 1994, v. 8, n. 21, p. 21-42. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40141994000200003. Acesso em: 20 maio. 2022.


3) PAES, Pedro Henrique Da Silva. Navegando pelo Atlântico no navio da memória: intercâmbios culturais entre Brasil e África. Ars Historica, n. 17, p. 109-119, 2018. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7603471. Acesso em: 20 maio. 2022.


Atividade 2 – Ensino Médio


(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.


(EM13CHS303) Debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas à percepção crítica das necessidades criadas pelo consumo e à adoção de hábitos sustentáveis.


Descrição da Atividade 2


Esta atividade tem como objetivo promover os princípios do reconhecimento, da preservação e da valorização dos patrimônios culturais por meio da educação patrimonial. Embora a divisão entre “patrimônio material” e “patrimônio imaterial” ainda seja utilizada do ponto de vista técnico, os especialistas têm preferido a expressão “patrimônio cultural” para se referir ao conjunto de edificações e práticas que expressam uma determinada cultura, e, portanto, são valorizadas. Para tanto, sugerimos que você, professor, inicie a atividade com a exibição do episódio para os alunos. Depois, promova um debate sobre a destruição e a preservação dos patrimônios arquitetônicos e o desenvolvimento das cidades. Esteja preparado para observações como “esse prédio era feio e velho, deveria ser destruído”, ou então “tem que preservar tudo”. Essas manifestações, ainda que hipotéticas, expressam alguns sensos comuns a respeito da preservação e valorização do patrimônio cultural. Leve para a turma algumas considerações sobre a memória, a identidade e o direito à cidade e à moradia. Reforce a perspectiva de que, para os agudás, os elementos culturais “brasileiros” têm uma importância muito grande para a conformação de suas identidades. Esta atividade pode ser desenvolvida como uma forma de averiguar a percepção dos alunos sobre o patrimônio, além de estimular atividades de reconhecimento, preservação e valorização.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) CONDURU, Roberto. Entre a cabeça e a terra – arquitetura dos agudás no golfo do Benim. Arte & Ensaios, n. 24, p. 145-161, 2012. Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2014/05/dossie-roberto.pdf. Acesso em: 20 maio. 2022.


2) MASCARENHAS, Alexandre Ferreira, REDINI, Luana Lara Safar, GBÉNAHOU, Rock Kiki. Arquitetura e aspectos construtivos afro-brasileiros em Porto Novo, Benin: ações de requalificação profissional entre os jovens de origem agudá. In: Tierra, sociedad, comunidad: 15° Seminario Iberoamericano de Arquitectura y Construcción con Tierra. Universidad de Cuenca, 2015. p. 694-703. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6086012. Acesso em: 20 maio. 2022.


3) GIL, Carmem Zeli de Vargas. Educação Patrimonial no Ensino de História: reconhecer, valorizar e reparar. Palavras ABEHrtas, n. 4, 2021. Disponível em: https://palavrasabehrtas.abeh.org.br/index.php/palavrasABEHrtas/article/download/38/27. Acesso em: 20 de maio. 2022.



EM13CHS102 - Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
EM13CHS104 - Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
EM13CHS201 - Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
EM13CHS202 - Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.
EM13CHS203 - Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas (civilização/barbárie, nomadismo/sedentarismo, esclarecimento/obscurantismo, cidade/campo, entre outras).
EM13CHS204 - Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
EM13CHS303 - Debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas à percepção crítica das necessidades criadas pelo consumo e à adoção de hábitos sustentáveis.
EM13CHS401 - Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos, classes sociais e sociedades com culturas distintas diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços (urbanos e rurais) e contextos.




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