Plano de Aula

RITOS E RITMOS DAS DIÁSPORAS

Ritos e Ritmos das Diásporas
08/07/2022
Ensino Médio
Linguagens, Ciências Humanas, História, Língua Portuguesa, Arte
Caroline Silveira Bauer
Acesse a ficha do filme



Caro professor, apresentamos a você a série “Retornados” (2017), dirigida por Maria Pereira e Simplício Neto. Em oito episódios, conta a história de africanos e afro-brasileiros que, após serem levados para o Brasil como escravizados, retornaram à África, formando comunidades e grupos culturais conhecidos como “agudás”. A série apresenta depoimentos de descendentes de agudás que vivem no Brasil e em Benin, Gana, Nigéria e Togo, explorando a interrelação histórica entre África e Brasil desde o século XVI, com foco na dinâmicas do colonialismo, do escravismo e do imperialismo.


No episódio 6, “Ritos e ritmos da diáspora”, é apresentado a você, professor, um pouco mais da cultura dos agudás: o agbe, da comunidade tabom, de Gana; a burrinha, do Benim; e a festa de egungun, na Nigéria. Além disso, você conhecerá os esforços das comunidades de retornados para a preservação da língua portuguesa por meio dos cantos e das músicas.


A língua e as músicas são elementos extremamente importantes como marcadores de identidade. Em relação às comunidades de agudás, o português deixou de ser falado com o passar das gerações, por uma questão de adaptação às sociedades africanas; e as músicas foram fundamentais para conservar a “brasilidade”, essa identidade de distinção dos africanos e afro-brasileiros retornados.


Vejamos como esses elementos se apresentam em algumas festas rituais dos agudás. Comecemos pelo agbe, com o episódio nos mostrando a sua prática na Brazil House, em Gana. O agbe é um instrumento musical de percussão e, ao mesmo tempo, um estilo musical característicos das comunidades afro-brasileiras da África Ocidental, particularmente entre os tabom, em Gana. É um tipo de música muito utilizada em rituais fúnebres. As canções, geralmente em formato de canto e resposta do público, são acompanhadas por danças.


Durante os funerais, primeiramente, são feitas danças e é tocado um vasto repertório de músicas. Depois, as mulheres dançam em volta do caixão para, de forma simbólica, enviar o espírito do morto de volta ao Brasil, onde estão seus ancestrais. O agbe é uma forma de facilitar essa “passagem”.


Os tabom possuem muitas influências do candomblé e dos iorubás, que podem ser reconhecidas pela escuta do agbe. Sua música é bastante similar ao ijexá, da Nigéria, primeiro local em que os tabom aportaram retornados do Brasil, para depois migrarem para Gana.


Depois do agbe, apresentamos para você, professor, a festa da burrinha. As imagens do episódio são de Ague e Uidá, cidades do Benim. Acredita-se que a origem da burrinha seja uma festa espanhola, cuja tradição foi incorporada por portugueses, que, por sua vez, a levaram para a América. Da América Portuguesa, a prática foi para a África. É uma festa com pessoas mascaradas, que dançam ao som de músicas. Alguns entrevistados se referem à burrinha como um “carnaval”.


Antigamente, as canções da burrinha eram cantadas em português, porém, com o tempo, essa tradição foi se perdendo. O líder da vila de Atoetá, Obá de Atoetá, comenta que, para as novas gerações, a burrinha não tem importância ou significado, e que ela poderia desaparecer, já que os mais jovens não fazem questão de passar essa tradição adiante. Desta forma, elementos da “brasilidade” vão desaparecendo.


Por fim, falemos da festa de egungun, com as imagens do episódio de Lagos, na Nigéria. Banboshe Baba Cândido teria sido o retornado responsável por introduzir a festa na Nigéria. Egungun seria um ancestral, um espírito de uma pessoa importante, que, durante as festas, interage com os vivos.


Estas manifestações rituais possuem alguns elementos que devem ser destacados. Primeiramente, as interrelações culturais e a formação das identidades. Expliquemos a complexidade dessa relação através de alguns exemplos. Através do episódio, aprendemos que o pandeiro, reivindicado como um instrumento do carnaval e do samba, é de origem árabe, e veio para o Brasil através de Portugal (lembremos que a Península Ibérica foi ocupada por muçulmanos durante séculos, legando muitos elementos culturais).


Depois, tomemos a fala do DJ Sankofa, ganense, que mora na Bahia. Quando chegou ao Brasil, se surpreendeu que as pessoas considerassem o Olodum e o Ilê Aiyê como “africanos”, quando, na verdade, seriam “afro-brasileiros”.


No episódio, percebemos a perplexidade de Sankofa frente ao fato de seus amigos não conhecerem um músico africano, e na cidade não haver um restaurante de comidas típicas africanas, ainda que houvesse outros tantos restaurantes de cozinha asiática ou europeia. Através desses exemplos, podemos problematizar a formação das identidades, os processos de valorização ou silenciamento de certos elementos culturais, e como a circulação de pessoas no mundo atlântico possibilitou a formação de uma nova cultura, com elementos provenientes da África, da América e da Europa.


Um segundo elemento é a questão da preservação das manifestações culturais, seja a língua, sejam os ritos. Diferentes entrevistados agudás manifestaram seu desejo de conservação e preservação dos elementos que consideram característicos de sua “brasilidade”. Para isso, promovem aulas de português, ou reúnem-se para os rituais. De certa forma, temos a tendência de achar que as coisas podem ser conservadas “como realmente são”, de forma imutável, mas nada é estável, inclusive a cultura, que se altera conforme as circunstâncias. Assim, existe uma tensão, por um lado, entre conservar e preservar a tradição, e, por outro, aceitar a mutabilidade da cultura. 


Propomos a você, professor, duas atividades para explorar as temáticas trazidas no episódio, o Ensino Médio. Estas atividades estão orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e coadunam-se com as seguintes competências:


Competências gerais


Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.


Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.


Competências específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.


Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.


Competências específicas – Linguagens e suas Tecnologias


Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas culturais (artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e produção de discursos nos diferentes campos de atuação social e nas diversas mídias, para ampliar as formas de participação social, o entendimento e as possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade e para continuar aprendendo.


Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza.


No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacamos os seguintes princípios que guiam a elaboração destas atividades:


a) consciência política e histórica da diversidade;


b) fortalecimento de identidades e de direitos;


c) combate ao racismo e a discriminações;


d) e às determinações para a História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, e em articulação com a história dos afrodescendentes no Brasil.


As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.


Atividade 1 – Ensino Médio


Habilidade – Linguagens e suas Tecnologias 


(EM13LGG202) – Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreendendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias.


Habilidade – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas 


(EM13CHS102) – Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.


Descrição da Atividade 1


Objetivamos que, com esta atividade, você, professor, possa trabalhar com seus alunos uma “História da língua portuguesa”. Para tanto, sugerimos que você inicie uma aula expositivo-dialogada explicando para os alunos quais são os países no mundo que tem o português como uma das línguas oficiais. Analise como se deu a disseminação deste idioma e algumas diferenças existentes entre o português falado em Portugal e o que nós falamos no Brasil. Depois, faça a exibição do documentário para a turma.


Após a exibição, debata porque o português deixou de ser falado pelas comunidades agudás, e ouça a opinião dos alunos sobre as canções dos retornados. A intenção é que os alunos reconheçam a língua como parte da dimensão cultural de uma sociedade, e que, portanto, ela está sujeita a modificações e interferências de outros processos.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) VELAME, Fábio Macêdo. O culto egúngún no Brasil diáspora, ancestralidade e resistência negra nas cidades brasileiras. Revista da ABPN, v. 12, n. 34, p. 99-130, 2020. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/53b6/a0b22d1d7d13c1f1825e7a7f59de3bcd380e.pdf. Acesso em: 21 maio. 2022.


2) CASTILLO, Lisa Earl. Os agudás de Lagos: Brasil, Cuba e memórias atlânticas. Afro-Ásia, n. 48, p. 407-417, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/afro/a/MZfbtGpv7SYLNJwRt5mWCCx/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 21 maio. 2022.


3) GALANO, Ana Maria. Identidade, retratos e etnografia visual. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. 2001, v. 7, n. 3, p. 762-770. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702001000600016. Acesso em: 21 maio 2022.


Atividade 2 – Ensino Médio


Habilidade – Linguagens e suas Tecnologias 


(EM13LGG604) – Relacionar as práticas artísticas às diferentes dimensões da vida social, cultural, política e econômica e identificar o processo de construção histórica dessas práticas.


Habilidade – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas 


(EM13CHS502) – Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.


Descrição da Atividade 2


Esta atividade tem como objetivo possibilitar aos alunos uma maior compreensão sobre a morte e os rituais mortuários em diferentes culturas. Sugerimos que você pergunte aos alunos se eles conhecem o “meme do caixão”, que circulou pelas redes sociais virtuais entre 2020 e 2021. Pergunte a eles se eles sabem que se trata de imagens de um ritual fúnebre realizado em Gana. Depois desse debate inicial, sugerimos que você exiba o documentário.


Após a exibição, explique um pouco mais sobre o agbe, que tem relação direta com o meme. Questione os alunos se eles acreditam que o meme auxiliou a difundir a cultura ganense. A partir dessa explicação, debata com os alunos quais são as crenças de suas religiões sobre a morte e a vida após a morte. Sugira que cada aluno monte, em seu caderno, um quadro comparativo a partir das informações presentes no episódio e que os colegas trouxerem sobre suas práticas religiosas.


Ao final, você, professor, deve ressaltar a diversidade cultural e religiosa, além das múltiplas relações que as sociedades estabeleceram com a morte, e demonstrar que as diferenças existentes não implicam um julgamento ou uma hierarquização entre as religiões, mas demonstram a riqueza cultural que a humanidade possui.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) BAPTISTA, Caroline Bernardoni Cavalcanti. A morte brasileira em diferentes épocas: Uma análise antropológica dos rituais funerários e da “morte digna”. Dignidade Re-Vista, [S.l.], v. 2, n. 4, p. 12, dez. 2017. Disponível em: http://periodicos.puc-rio.br/index.php/dignidaderevista/article/view/442. Acesso em: 18 maio. 2022.


2) PIMENTEL, Claudio Santana. Festa e memória nas comunidades afro-brasileiras da Costa Ocidental africana. ESPAÇOS-Revista de Teologia e Cultura, v. 26, n. 1, p. 105-112, 2018. Disponível em: https://espacos.itespteologia.com.br/espacos/article/view/138 Acesso em: 21 maio. 2022.


3) SILVA, Diego Leonardo Santana. Os memes como suporte pedagógico no ensino de história. Periferia, v. 11, n. 1, p. 162-178, 2019. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/5521/552159357014/552159357014.pdf. Acesso em: 21 de maio. 2022.



EM13LGG202 - Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreendendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias.
EM13LGG604 - Relacionar as práticas artísticas às diferentes dimensões da vida social, cultural, política e econômica e identificar o processo de construção histórica dessas práticas.
EM13CHS102 - Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
EM13CHS201 - Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
EM13CHS202 - Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.
EM13CHS203 - Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas (civilização/barbárie, nomadismo/sedentarismo, esclarecimento/obscurantismo, cidade/campo, entre outras).
EM13CHS204 - Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
EM13CHS502 - Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.




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