Caro professor, apresentamos a você a série “Retornados” (2017), dirigida por Maria Pereira e Simplício Neto. Em oito episódios, conta a História de africanos e afro-brasileiros que, após serem levados para o Brasil como escravizados, retornaram à África, formando comunidades e grupos culturais conhecidos como “agudás”. A série apresenta depoimentos de descendentes de agudás que vivem no Brasil e em Benin, Gana, Nigéria e Togo, explorando a interrelação histórica entre África e Brasil desde o século XVI, com foco nas dinâmicas do colonialismo, do escravismo e do imperialismo.
No episódio 7, “Ascensão e queda de Sylvanus Olympio”, é apresentado a você, professor, a história da família Olympio, com destaque para Sylvanus Olympio, descendente de agudás, que liderou o processo de independência do Togo e foi seu primeiro presidente, sendo posteriormente assassinado em um golpe de Estado em 1963. Podemos acompanhar que a independência política e a conquista da soberania dos países africanos não corresponderam a uma independência econômica, o que traz muitas consequências.
No início do episódio, temos a reconstituição genealógica de um ramo da família Olympio: ela começa com Francisco Olympio Silva, que retornou da Bahia; seu filho, Epifânio Olympio, que era um grande comerciante; e seu neto, Sylvanus Olympio. Quem nos narra a história da família é Pierre Emile Germa, no Togo. No entanto, os Olympio se disseminaram por toda a região: Abomé, Cotonou, Porto Novo...
Francisco Olympio Silva, o agudá que deu início à família Olympio, na África, nasceu em 24 de julho de 1833 e morreu em 24 de julho de 1907, segundo informações de sua lápide no Cemitério de Agué, no Benim. Depois de navegar por diferentes pontos da costa ocidental da África, instalou-se em Agué, onde fica a Residência dos Olympio. Francisco Olympio Silva teve uma importância muito grande no tráfico de escravizados.
Como um descendente de retornado poderia alcançar uma posição de tanto destaque como líder de um processo de independência e presidente do país? Primeiramente, é preciso destacar que Olympio não era propriamente um liberto retornado para a África, como muitos outros afro-brasileiros que retornaram ao Togo. Ele era um “mestiço”, português por parte de pai, e indígena por parte de mãe.
Depois, lembremos que os retornados, por sua experiência de “brasilidade”, tiveram acesso à educação (e enviaram seus filhos para estudarem em países europeus), jogaram com influências econômicas, políticas e religiosas. Casaram-se com famílias nobres africanas, constituindo redes de relações com aristocratas locais. Enriqueceram na África pelo comércio de produtos locais e escravizados, além de iniciarem a produção no continente africano dos produtos trazidos do Brasil. Desta forma, também contribuíram com o desenvolvimento econômico dos países.
Politicamente, quando os franceses e ingleses dominaram a região no processo imperialista europeu, estabeleceram relações com os retornados, utilizando-os como mediadores de seus interesses com os aristocratas africanos, chefes locais e reis, já que falavam diversos idiomas. Essa relação, porém, nem sempre foi amigável: no início, os agudás foram extremamente hostis aos franceses e ingleses.
Posteriormente, com a consolidação da presença europeias na África, os europeus encontraram nos retornados um elemento importante de europeização das cidades africanas. Acontece que, para efetivar esse processo, os europeus fizeram de tudo para apagar vestígios da cultura brasileira e portuguesa. Por exemplo, a França proibiu o uso da língua portuguesa e o ensino do português. Depois, instituiu medidas que fizeram com que os retornados empobrecessem.
Quando os agudás perceberam que sempre estariam em uma posição secundarizada na administração colonial francesa e inglesa, começaram a se organizar politicamente, formando grupos independentistas. Foi assim que ocorreu a independência do Togo da dominação colonial da França, sob a liderança de Sylvanus Olympio, que coordenou uma revolução de caráter burguês e nacionalista.
Sylvanus Olympio era um entusiasta da “brasilidade”. Frequentou a London School of Economics, onde foi provavelmente o primeiro africano e o primeiro negro a se formar, em 1923. Enquanto economista, ele compreendeu a importância da moeda como garantia da independência e da soberania econômica. E esse foi o mote de seu governo: dotar o país de uma infraestrutura necessária para dar as bases de desenvolvimento de um estado independente.
Esses objetivos, contudo, contrastavam com interesses franceses e de outras nações. E, portanto, tramou-se um golpe para destituir a Sylvanus da presidência e assassiná-lo. Em sua casa, em Lomé, no Togo, podemos ver as marcas na parede dos tiros disparados pelos militares. O presidente tentou escapar fugindo para a embaixada dos Estados Unidos, localizada ao lado da residência oficial, mas os militares amotinados o retiraram de lá e o assassinaram em 13 de janeiro de 1963.
Até hoje, neste dia, a população togolesa deposita flores em frente ao local ao prédio onde funcionava a embaixada dos Estados Unidos e onde o corpo foi encontrado. As circunstâncias do golpe de Estado e do assassinato de Sylvanus não foram esclarecidas até hoje.
Podemos aprender que o processo de independência do Togo e a conquista de sua soberania não foram acompanhadas de uma independência econômica. Ao contrário, diferentes forças políticas contribuíam para que o país se mantivesse em uma dependência econômica externa, impedindo seu desenvolvimento. Essa situação no Togo não é estranha a outros países africanos, o que demonstra uma dificuldade muito grande de superação das estruturas coloniais impostas ao longo do tempo. Ainda hoje, o continente convive com fronteiras artificiais e entraves para o livre descolamento de pessoas.
Propomos a você, professor, duas atividades para explorar as temáticas trazidas no episódio, direcionadas ao Ensino Médio. Estas atividades estão orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e coadunam-se com as seguintes competências:
Competências gerais
Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
Competências específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.
Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.
No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacamos os seguintes princípios que guiam a elaboração destas atividades:
a) consciência política e histórica da diversidade;
b) fortalecimento de identidades e de direitos;
c) combate ao racismo e a discriminações;
d) e às determinações para a História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, e em articulação com a história dos afrodescendentes no Brasil.
As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.
Atividade 1 – Ensino Médio
(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.
Descrição da Atividade 1
Esta atividade tem como objetivo estudar, através da biografia de Sylvanus Olympio, a História do colonialismo e a “História atlântica” da África, América e Europa. Para isso, recomendamos que você, professor, inicie a atividade com uma aula expositiva sobre os retornados, sua atuação na África e o imperialismo europeu no continente. Depois, aborde com a turma a história da escravidão e o tráfico transatlântico.
A partir dessa introdução, você poderá apresentar aos alunos quem foi Sylvanus Olympio, e exibir o episódio. Após a exibição, entregue aos alunos um texto com trechos da vida de Olympio intercalados com retângulos em branco.
Os alunos deverão realizar uma pesquisa em seus livros didáticos e na internet, e completar os retângulos em branco com informações que contextualizem aquele momento da vida de Olympio. Para isso, recomendamos que os trechos de sua vida tenham alguns marcos cronológicos, ou algumas palavras-chave, para auxiliar os alunos no desenvolvimento da pesquisa. Com essa atividade, esperamos que a turma consiga relacionar os episódios da trajetória de Olympio com acontecimentos da “História atlântica” e do imperialismo europeu na África, e compreender os limites e as possibilidades configurados por seu espaço de experiência.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:
1) BRITO, Ênio José da Costa. A SAGA DE AGUDÁS. ESPAÇOS-Revista de Teologia e Cultura, v. 16, n. 1, p. 89-94, 2008. Disponível em: https://espacos.itespteologia.com.br/espacos/article/download/349/255. Acesso em: 22 maio. 2022.
2) AMOS, Alcione M. Afro-Brasileiros no Togo: A história da Família Olympio, 1882-1945 Afro-Ásia, núm. 23, 1999, p. 173-194. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/770/77002306.pdf. Acesso em: 22 maio. 2022.
3) LAVEZO, Juliana. A biografia nas aulas de história: experiências em sala de aula. In: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de História. Anais do XI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História - Perspectivas Web 2020. Ponta Grossa: ABEH, 2020. p. 1-8. Disponível em: https://www.perspectivas2020.abeh.org.br/resources/anais/19/epeh2020/1606789630_ARQUIVO_4adb88d25cbe550bb37616601374b81f.pdf. Acesso em 17 maio. 2022.
Atividade 2 – Ensino Médio
(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.
(EM13CHS605) Analisar os princípios da declaração dos Direitos Humanos, recorrendo às noções de justiça, igualdade e fraternidade, identificar os progressos e entraves à concretização desses direitos nas diversas sociedades contemporâneas e promover ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência, respeitando a identidade de cada grupo e de cada indivíduo.
Descrição da Atividade 2
Esta atividade tem como objetivo possibilitar aos alunos uma maior compreensão sobre as consequências do imperialismo europeu na África. Para tanto, sugerimos que você, professor, inicie a atividade exibindo o documentário. Peça para que os alunos anotem imagens, falas ou temas que eles acreditem que remetam ao legado das práticas imperialistas. Após a exibição, debata com a turma seus achados. Alguns alunos podem destacar a cultura e o idioma, outros os golpes de estado e os governos militarizados, ou então a violência.
Em um segundo momento, sugerimos que trabalhe uma sequência de mapas do continente africano, que representem diferentes períodos históricos. Instigue os alunos à construção de conhecimentos sobre a História do imperialismo através daqueles mapas, principalmente os que mostrarem a divisão da África entre os países europeus. Pergunte o que eles acham daquelas fronteiras artificiais, o que elas significam (por exemplo, em separar antigos reinos ou colocar etnias rivais sob um mesmo território).
Depois, em uma aula expositiva, trabalhe com a turma as independências e a descolonização da África, além dos conflitos que sucederam. Com isso, esperamos que os alunos compreendam que a soberania política não significou a resolução dos problemas de muitos países africanos, em função dos legados das estruturas coloniais.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:
1) SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de África I. A emergência dos novos Estados africanos ao Sul do Sahara, suas relações com as antigas metrópoles e as demais nações desenvolvidas. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 81, p. 60-97, 1986. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67068. Acesso em: 22 maio. 2022.
2) MENDONÇA, Marina Gusmão de. A descolonização da África: nacionalismo e socialismo. Sankofa (São Paulo), [S. l.], v. 12, n. 22, p. 117-140, 2019. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/158261. Acesso em: 22 maio. 2022.
3) ANJOS, Rosemércya Velozo de Carvalho, AQUINO, Maurício de. A independência dos estados africanos no século XX em um blog: tecnologias educacionais e ensino de história africana. In: OS DESAFIOS da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. [s.l.]: [s.e.], 2016. Volume 1. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_artigo_hist_uenp_rosemercyavelozodecarvalhoanjos.pdf. Acesso em: 19 maio. 2022.