Plano de Aula

O SABOR DA SAUDADE

O Sabor da Saudade
27/06/2022
Ensino Médio, Ensino Fundamental - Anos Finais
Ciências Humanas, Geografia, História
Caroline Silveira Bauer
Acesse a ficha do filme



Caro professor, apresentamos a você a série “Retornados” (2017), dirigida por Maria Pereira e Simplício Neto. Em oito episódios, conta a história de africanos e afro-brasileiros que, após serem levados para o Brasil como escravizados, retornaram à África, formando comunidades e grupos culturais conhecidos como “agudás”. A série apresenta depoimentos de descendentes de agudás que vivem no Brasil e em Benin, Gana, Nigéria e Togo, explorando a interrelação histórica entre África e Brasil desde o século XVI, com foco nas dinâmicas do colonialismo, do escravismo e do imperialismo.


No episódio 4, “O sabor da saudade”, são apresentados os intercâmbios culturais que deram origem ao que podemos chamar de “culinária brasileira”, e de que forma essa “culinária brasileira” influenciou a “culinária africana”.


O comércio transatlântico não se limitava ao tráfico de africanos escravizados. Havia uma enorme circulação de produtos alimentícios e têxteis entre a África e a América. Da África, chegou o óleo de palma, que aqui ficou conhecido como “azeite de dendê”; o obi, que virou noz-de-cola; os búzios, utilizados em diversos rituais religiosos, além de ervas utilizadas na sagração de orixás. Do Brasil partia para a África a carne seca, muito apreciada.


Além de produtos, com os retornados, o Brasil também exportou mão-de-obra qualificada para o desenvolvimento, na África, de plantações de produtos que interessavam o comércio atlântico. Quando os africanos escravizados chegaram no Brasil, depararam-se com práticas agrícolas diferentes das suas, em extensão e em técnicas, já que era majoritariamente voltado para o mercado externo.


Lembremos que havia uma produção muito significativa para o mercado interno também, mas a cana e o café foram grandes produtos brasileiros de exportação. Os agudás possuíam experiência de trabalho nas lavouras brasileiras e foram muito importantes para o desenvolvimento das economias africanas.


Além disso, como dito por um entrevistado no episódio, os retornados “comiam como brasileiros”, tendo levado não somente produtos, mas também hábitos e práticas culinárias. Mesmo que com preparos diferentes, é desta forma que encontramos em algumas cidades africanas de Benin, Gana, Nigéria e Togo pratos como o acarajé, a canjica, a farofa, a feijoada, a moqueca, o mocotó, o mingau, o pirão e o vatapá.


Mas isso era “culinária brasileiras”? Sim e não. Os padrões de comportamento reproduzidos pelos agudás em África, apesar de serem chamados “brasileiros”, eram profundamente africanizados. Como fala um dos historiadores no episódio: “Não havia nada mais africano que o Brasil nos séculos XVII, XVIII e XIX.”


Isto significa que aquilo que foi apropriado pelos agudás como “brasileirismo” foi resultado de uma interrelação cultural entre povos africanos, europeus e indígenas. É por isso que a mandioca, um tubérculo cultivado pelos indígenas, que também produziam sua farinha, chega até a África; ou então, que a tapioca que se come em Paris, na França, tenha chegado até o continente europeu pelas ligações imperialistas da França com o Benim; ou, ainda, que o bacalhau tenha chegado na África com os retornados, e não com os portugueses!


Porém, essa circulação de alimentos não significa que, nos processos de apropriações, os costumes e os hábitos tenham permanecidos iguais. A cultura e, portanto, a culinária, não é estática, mas se transforma nas criatividades das apropriações, ao longo do tempo e do espaço, com as experiências dos indivíduos.


Citemos dois exemplos trazidos pelo documentário: enquanto o acarajé é consumido a qualquer hora do dia no Brasil, na África, é uma comida mais restrita aos nagôs, e apreciada em ocasiões específicas, rituais; e a cocada, que no Brasil é feita de coco, no Benim, é de amendoim com caramelo, e se chama “concadá”.


Uma analogia é possível ao comparar a comida com a língua portuguesa: a língua falada no Brasil não é a mesma que em Portugal, isso porque ela foi enriquecida das experiências próprias vivenciadas na América Portuguesa. É por isso que dizemos que a culinária, os hábitos de cozinhar, comer e beber, são parte da chamada “cultura imaterial” de uma sociedade.


Propomos a você, professor, duas atividades para explorar as temáticas trazidas no episódio, uma para as séries finais do Ensino Fundamental e uma para o Ensino Médio. Contudo, com pequenas adaptações, as sugestões podem ser aplicadas em qualquer nível de ensino. Estas atividades estão orientadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e coadunam-se com as seguintes competências:


Competências gerais


Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.


Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.


Competências específicas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Ensino Fundamental


Analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico-científico-informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo.


Comparar eventos ocorridos simultaneamente no mesmo espaço e em espaços variados, e eventos ocorridos em tempos diferentes no mesmo espaço e em espaços variados.


Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal relacionado a localização, distância, direção, duração, simultaneidade, sucessão, ritmo e conexão.


Ensino Médio


Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.


Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.


No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacamos os seguintes princípios que guiam a elaboração destas atividades:


1. consciência política e histórica da diversidade;


2. fortalecimento de identidades e de direitos;


3. combate ao racismo e a discriminações;


4. e às determinações para a História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, e em articulação com a história dos afrodescendentes no Brasil.


As habilidades a serem desenvolvidas em cada um desses campos estão designadas nas atividades.


Atividade 1 – Ensino Fundamental


Habilidades de Geografia e História


(EF08GE01) Descrever as rotas de dispersão da população humana pelo planeta e os principais fluxos migratórios em diferentes períodos da história, discutindo os fatores históricos e condicionantes físico-naturais associados à distribuição da população humana pelos continentes.


(EF08HI24) Reconhecer os principais produtos, utilizados pelos europeus, procedentes do continente africano durante o imperialismo e analisar os impactos sobre as comunidades locais na forma de organização e exploração econômica.


Descrição da Atividade 1


Esta atividade tem como objetivo possibilitar aos alunos o aprendizado sobre a circulação de produtos no mundo atlântico, e as influências recíprocas das culinárias africanas, europeias e indígenas. Primeiramente, recomendamos que você exiba o episódio para os alunos, pedindo que observem a circulação de alimentos na triangulação entre África, América e Europa.


Depois da exibição, proponha a eles a escrita da história da mandioca e sua chegada na África e na Europa, de acordo com as informações do documentário. A turma, em conjunto, deve elaborar um cartaz com a história do tubérculo, os diferentes nomes pelo qual é conhecido no Brasil, os usos que os povos indígenas faziam desse alimento, como ele chegou na África (aqui, é importante destacar o protagonismo de Custódio Joaquim de Almeida), e como, da África, chegou na França.


O aprendizado de Geografia e História se dará com o reconhecimento dessas rotas, sua ligação com o tráfico transatlântico de escravizados, e o imperialismo europeu no continente africano. O cartaz poderá conter imagens, mapas e receitas. Após sua elaboração, debata com a turma os aprendizados e pergunte sobre quais outros alimentos eles gostariam de saber a história.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) DUBIELA, Jayme Leonardo, WAMBIER, Sandro Marlus. O reconhecimento e a valorização da cultura africana no Brasil. 2019. In: OS DESAFIOS da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. [s.l.]: [s.e.], 2016. Volume 1. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_artigo_hist_ufpr_jaymeleonardodubiela.pdf. Acesso em: 19 maio. 2022.


2) TEMPASS, Mártin César. Antes importantes, agora estigmatizados: a contribuição dos sistemas culinários indígenas para a formação da culinária brasileira e a sua atual marginalização. Revista Eletrônica Interações Sociais, v. 3, n. 2, p. 62-81, 2019. Disponível em: https://periodicos.furg.br/index.php/reis/article/view/9805 Acesso em: 19 maio. 2022.


3) SCHERER, Jovani de Souza, WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Custódio Joaquim de Almeida: nobre africano ou filho de agudá? (Porto Alegre, virada do século XIX para o XX). Anais do 10º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, maio de 2022. Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/10encontro/jovani_scherer_rodrigo_weimer.pdf. Acesso em: 19 maio. 2022.


Atividade 2 – Ensino Médio


(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.


(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.


Esta atividade tem como objetivo estudar, através da biografia de Custódio Joaquim de Almeida, a História do colonialismo e a “História atlântica” da África, América e Europa. Para isso, recomendamos que você, professor, inicie a atividade com uma aula expositiva sobre o comércio triangular atlântico. Depois, aborde com a turma a história da escravidão e o tráfico transatlântico, e como, além do comércio de seres humanos, outros produtos eram importados e exportados entre os países envolvidos.


A partir dessa introdução, você poderá apresentar quem foi Custódio Joaquim de Almeida e exibir o episódio. Após a exibição, entregue aos alunos um texto com trechos da vida de Almeida, intercalados com retângulos em branco.


Os alunos deverão realizar uma pesquisa em seus livros didáticos e na interne para completar os retângulos em branco com informações que contextualizem aquele momento da vida de Almeida. Para isso, recomendamos que os trechos de sua vida tenham alguns marcos cronológicos, ou então algumas palavras-chave, para auxiliar os alunos no desenvolvimento da pesquisa. Com essa atividade, esperamos que a turma consiga relacionar os episódios da trajetória de Custódio Joaquim de Almeida com acontecimentos da “História atlântica”, compreendendo os limites e as possibilidades configurados por seu espaço de experiência.


Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática e para contribuir na proposição desta atividade, recomendamos as seguintes leituras:


1) FRANCHI, Diones. A história do príncipe negro. África e Africanidades, ano 9, n. 22, jul. 2016. Disponível em: https://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/0040220072016.pdf. Acesso em: 19 maio. 2022.


2) SCHERER, Jovani de Souza, WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Custódio Joaquim de Almeida: nobre africano ou filho de agudá? (Porto Alegre, virada do século XIX para o XX). Anais do 10º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, maio de 2022. Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/10encontro/jovani_scherer_rodrigo_weimer.pdf. Acesso em: 19 maio. 2022.


3) LAVEZO, Juliana. A biografia nas aulas de história: experiências em sala de aula. In: Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de História. Anais do XI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História - Perspectivas Web 2020. Ponta Grossa: ABEH, 2020. p. 1-8. Disponível em: https://www.perspectivas2020.abeh.org.br/resources/anais/19/epeh2020/1606789630_ARQUIVO_4adb88d25cbe550bb37616601374b81f.pdf. Acesso em 19 maio. 2022.


 



EF08GE01 - Descrever as rotas de dispersão da população humana pelo planeta e os principais fluxos migratórios em diferentes períodos da história, discutindo os fatores históricos e condicionantes físico-naturais associados à distribuição da população humana pelos continentes.
EF08HI24 - Reconhecer os principais produtos, utilizados pelos europeus, procedentes do continente africano durante o imperialismo e analisar os impactos sobre as comunidades locais na forma de organização e exploração econômica.
EM13CHS102 - Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
EM13CHS201 - Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
EM13CHS202 - Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.
EM13CHS203 - Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextualizando e relativizando visões dualistas (civilização/barbárie, nomadismo/sedentarismo, esclarecimento/obscurantismo, cidade/campo, entre outras).
EM13CHS204 - Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
EM13CHS502 - Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.




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